domingo, 22 de abril de 2007

O nada e o tempo.

O tempo é tão curto para sonhar.. Daqueles sonhos ininterruptos, que se alimentam dos despertares diários de inconsciência salutar.
A sua curta existência dota cada pequeno movimento do ponteiro, de um impacto derradeiro, cuja melodia dita o desenho, o traço uniforme da nossa face, e também a pintura do nosso coração.


Tantas palavras que já foram manifestadas, num exercício de partilha consciente, mas fugaz, porque cada vez mais as palavras voam ao sabor de memórias, de invocações, que antes interessam ser recuperadas, do que presentemente vivenciadas.



Tantos olhares fugazes que se perderam numa inconstância vestida da pressa de não querermos ser nós, e despidas do infortúnio de querermos recordar o que um dia pensámos ser.



E esse maldito tempo, outrora nosso inimigo público número um, torna-se apenas o mártir de uma velha e gigantesca questão, que nos assombra o espírito. Para que inventamos o tempo se nele não encontramos a compatibilidade de sermos?



A árvore que nos alimenta fervorosamente da vida eterna, os dias incessantes de trabalho em prol de um material que nos forneça alimentação, respeito, dignidade, amor e carinho.


O mundo vestido de cores que nós queremos ver quando ele está a dormir, e cores que compramos para ele, quando este decidiu despir-se de preconceitos. Às vezes compomos uma canção, só para ele. Mas esta canção, um dia desejada, perdeu-se no temporal de dissertações e falta de tempo. E quando acabada, de um timbre que reencontramos, e que amamos. Está vazia. Os seus acordes são apenas recordações, de um dia em que o mundo amava a nossa música.


Ele ainda a ama, sim... Mas ouve-a com respeito. Com menos fulgor, e mais admiração. Nós queríamos que ela fosse ouvida com carinho, que fosse sedutora, atraente, viva, jovial, universal, completa, magnífica, surpreendente.. Ele respeita-a...



Esse respeito é sinal da longevidade da nossa memória. A história tem já muitos capítulos.



O tempo é tão curto para sonhar. Para imaginar um desenho, ou recriar um sorriso.. Para compor uma canção, para dizermos o que somos. Para resgatarmos um beijo de quem amamos, para declamarmos esse amor. Para sermos quem temos medo de ser, sem querermos ser quem não temos medo, porque seremos sempre.



É tão rápido, que nos faz perder o fôlego. Que nos faz termos amigos imaginários, desfilar numa espiral de destruição opressora, agarrados a uma imagem que desenhámos, mas que no espelho apenas nos fala de solidão.



É tão rápido que abrimos a porta de casa e a fechamos, olhando para a cozinha, para a sala, para o quarto. E dormimos. Amanhã será novo dia para a abrimos... e a voltar a fechar.



Será assim sempre o historial, também, do nosso coração? Se bem que com outra fechadura, uma indestronável. Forte como o aço, poderosa como a voz do dinheiro, e radiante como um arco íris construído das cores de outros.



Há muito tempo que o tempo me diz que me pode corromper. Diz-mo de maneira suave, como indiciando a possibilidade de se tornar meu amigo.



E eu olho para ele, sorrio, ele diz-me para eu não o ver nunca como inimigo. Precisa de mim, como eu preciso dele.


Eu digo-lhe, para que é precisas de mim?


Para um dia, como alguns, me fazeres sentir orgulhoso, único, magnífico.


Como, digo-lhe eu?


Ele não me respondeu...



Mas hoje vi o mar, sentei-me, vivi um bocadinho... Participei em conjunto, actuei com pessoas, reencontrei velhos caminhos, descobri novos sentidos. Amei como se ama sem obsessão.


E ontem foi assim também...


E do "nada" faço tudo, porque em tudo o que o nada parece, resulta a totalidade do sentido, do ser. O nada é a ausência de tempo perante o que verdadeiramente somos, quando feito com objectivo, com dignidade, com consciência social e cultural.



Não preciso de abrir e fechar a porta muitas vezes. Preciso de me abrir para o nada de vez em quando, para quando fechar a porta, essa nada não me engolir. Porque o nada pode ser, ou não, vazio.



Quero ser sempre menino, porque os meninos podem também eles, ter um adulto dentro deles.


Um menino pobre e rico, preto e branco, amarelo ou roxo. Um menino que ama, mas também desama. Tem por isso defeitos. Mas um menino que sentirá sempre o mar daquela maneira, assim como o amor. Esse menino já não vive no colo da sua mãe. Já tem uma casa.



Mas continua a gostar da sua bola de futebol.

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